Saúde!

SAÚDE E QUALIDADE VIDA: O futuro do trabalho no Brasil

Ano XX - Junho / 2008
 
Jornal da Anamt

Quando me pediram para tratar das novas modalidades de trabalho no Brasil e a inserção do médico no trabalho neste contexto, pensei que o tema daria um livro. E dá mesmo. Por isso, é grande o desafio que enfrento neste artigo.

Nosso pais vive um período decisivo em sua historia, O crescimento econômico, a estabilidade política, a expectativa de investimentos em longo prazo, a queda do desemprego, a incorporação de novas tecnologias, a perspectiva de independência enérgica e, fato inédito, a predominância da população urbana. Tudo isso combinado traça as linhas determinantes do que podemos esperar para as próximas décadas. Como será o trabalho em 2028? Certamente, muito diferente do que conhecemos hoje. E como nós, médicos do trabalho, estaremos inseridos neste novo modelo?

Mudanças sociais de grande impacto no mercado de trabalho são esperadas. O trabalho formal, tal corno conhecemos hoje, tende a diminuir significativamente. Não se trata apenas de terceirização, mas da combinação de novas relações de trabalho. O vínculo do emprego tende a ser substituído pelo trabalho por empreitada, a terceirização e o trabalho remunerado por tarefa. Haverá grande rotatividade dos trabalhadores no mercado. Teletrabalho, o trabalho virtual e o domiciliar serão alternativas amplamente utilizadas. Frente às novas tecnologias, como a automação e a robotização, a indústria tende a fechar vagas de linhas de produção e priorizar áreas tecnológicas. Em 20 anos, espera-se que o mercado traga um aumento da escolaridade do trabalhador.

O trabalho monotarefa será substituído pelo trabalhador polivalente. Cada vez mais, o trabalho cognitivo e estratégico estará presente. As grandes empresas encolherão e o mercado estará nas pequenas e microempresas, nas cooperativas, no terceiro setor. O trabalho individual será substituído pelos grupos de trabalho, envolvendo múltiplos conhecimentos e, muito freqüentemente, grupos que se formarão para além dos limites da empresa.

Novas leis tendem a priorizar a prevenção, a gestão e a abordagem sistemática. Talvez tudo isso já esteja acontecendo nas ilhas de desenvolvimento que já habitam nosso país. Mesmo assim, vale o exercício de pensar como vamos nos adaptar a esse cenário quando for a realidade de todo o país.

Por isso, meu conselho para os médicos do trabalho é “esqueçam o modelo atual”. Esqueçam o SESMT tal como ele foi concebido em 1983. Saiam do ambulatório da fábrica. Questionem o que aprenderam no curso de extensão universitária. Aposentem o PCMSO do tipo Ctrl C/Ctrl V o PCMSO de prateleira. Não haverá espaço para os que insistirem no passado. E preciso quebrar o paradigma desse modelo conhecido e buscar um novo caminho.

Diante da imensidão de conhecimentos necessários, a excelência técnica do médico do trabalho será apenas um começo obrigatório. E não se trata apenas de conhecimento médico. Será preciso conhecer áreas afins. Entender da gestão de pessoas, de recursos e de programas. Disposição para estudar sempre será fundamental para nossa sobrevivência.

Será preciso falar vários “idiomas” para transitar em todos os níveis hierárquicos e, principalmente, para ser capaz de negociar. Por sinal, a negociação, o consenso e o acordo tendem a substituir o poder que o médico tinha de dar a palavra final, quando o assunto é saúde. Será preciso aprender a trabalhar com aquilo que é diferente, com grupos, com diferentes opiniões. Seja dentro dos SESMTs coletivos/comuns/compartilhados, seja dentro do próprio ambiente de trabalho,

Nosso papel como “clínicos” será esquecido. Seremos cobrados quanto ao nosso papel de interventores, atuando antes do adoecimento, pelo simples motivo de que a doença custa caro e ninguém mais quer pagar por isso. Talvez mais do que isso, nós seremos contratados como consultores e precisaremos migrar do pensamento focado no “problema” para a “solução”

Claro que, em nosso paradoxal país-continente onde ainda existem de 25 mil a 40 mil trabalhadores escravos, minhas palavras podem soar irreais neste momento, mas quero acreditar que só chegaremos onde precisamos chegar se começarmos a construir hoje o modelo desejado. Este é o convite que lhes faço. Pense em 2028.

Dra. Marcia Bandini

Diretora de Divulgação da Anamt